O famigerado, polêmico e controverso Programa Mais Médicos, afinal, é bom, ruim ou um pouco dos dois? O problema tem mil perspectivas e olhares. Abaixo, segue o meu, definitivo até que me provem o contrário:
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Cenário dos sonhos de muitos: tudo limpo, novo e branco |
Dizem que os cubanos não têm competência para atuar no alto nível da medicina brasileira. Errado. Isso é tentativa de confundir as coisas, misturar o conceito geral da medicina brasileira (de alta qualidade científica) com o que, de fato, os médicos estrangeiros vêm fazer aqui. Eles não vão para o Einstein, o Sírio Libanês ou o A.C. Camargo. Eles vão para onde não existe medicina nenhuma.
A alta qualidade só está disponível para gente rica, portanto não há uma “imagem a zelar” para o povo. E outra, a medicina cubana é respeitada em outros países. Na Espanha, por exemplo, um médico cubano precisa de três meses para se homologar. Tempo menor do que os médicos do México, Chile e Argentina.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o modelo cubano como um dos melhores para o resto do mundo. Médicos cubanos são muito presentes em inúmeras missões internacionais, como a que está sendo feita no Brasil, incluindo países como o Haiti, África do Sul, Venezuela e outros em que a miséria é grande. Em Cuba, nas 25 faculdades de medicina, estudam estrangeiros de 113 países, inclusive filhos do Paulo Mendes, que é presidente do Sindicato Médico do RS. Lá, o curso de medicina dura seis anos e a especialização vai de três a quatro. Em Cuba há seis médicos para cada mil habitantes, o triplo do recomendado pela OMS, por isso mesmo o país disponibiliza tantos para missões internacionais.
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Apoio dos médicos brasileiros aos cubanos |
A taxa de mortalidade em Cuba é 4,6 em cada mil crianças, e no Brasil é de 15,6. A questão é que a medicina deles é mais focada na Atenção Básica, e não um modelo hospitalocêntrico como o brasileiro, em que o legal é usar um tomógrafo computadorizado ou órteses e próteses gringas a R$ 40 mil, para todo mundo ganhar em cima.
Os médicos cubanos, em geral, têm mais de dez anos de profissão, estiveram em missões de outros países, fizeram residência, 20% com mestrado e 40% com mais de uma especialização. Será que serve para a dona Maria lá no Interior do Brasil e que está, enquanto você lê isso, com o filho ardendo em febre, sem ter com quem se consultar?
Dizem que por trás do Programa há ideologia socialista, financiando Cuba. Ignoram o fato de que a ilha está cada dia mais capitalizada, que não há nem sombra de projeto de reconstrução pelo socialismo, que Raúl Castro está abrindo o mercado gradativamente e que a pobreza persiste muito mais pelo cruel, bizarro e anacrônico embargo dos Estados Unidos do que por caprichos caudilhistas.
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Médicos cubanos são aceitos mundo afora |
Dizem: “R$ 10.000,00 qualquer médico ganha na capital, não é oferecendo esse valor que irão atraí-los para o interior. A solução pra isso é simples: planos de carreira”. Concordo. Devem mesmo exigir isso. Mas, enquanto não acontece, muitas cidades aumentaram os salários, chegando a absurdos R$ 33.500,00 oferecidos por uma prefeitura no Amapá. Mesmo assim, não surgem médicos interessados e a população fica a ver navios. Caramba, quanto eles querem ganhar?
Ao que parece, a maioria dos médicos quer, além do espetacular salário, uma superestrutura urbanizada para morar. Nas faculdades, a maioria (sempre há exceções) quer ser médico pensando em ficar rico, viajar pra Europa todo ano, usar o “Dr” (sem doutorado) antes do nome. Mas, por “azar” da natureza da profissão, pessoas que moram no meio do mato também ficam doentes e precisam de... Contadores? Mecânicos? Astronautas? Não... Precisam de médicos! Pena que lá só chegam os que são solidários, sensíveis à necessidade humana, com vocação e preocupação com o próximo.
Não vai ter avenida para passear de jaleco e estetoscópio pendurado no pescoço. Só mato, gente pobre, desdentada, doente e fedida. Não é bonito. Mas se o cara não gosta, então seja médico na Noruega, ou vire engenheiro nuclear em algum laboratório. Não acho que todos devam ter esse perfil. Mas, como disse, não adianta esse perfil em um matemático, tem que ser médico. Falta de estrutura é um problema, claro, e devemos seguir cobrando o Governo. Mas não acho que se deva esperar as condições ideais para ir a esses lugares. São situações de emergência. Nessas horas, a vocação de alguns profissionais salta aos olhos. São os que mais se lembram do juramento de Hipócrates: “Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder”. Mesmo sem mil exames e tomógrafos à disposição, é possível melhorar a condição de saúde das pessoas.
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Há muitos locais com estrutura, mas o problema é esse aí |
Argumentam que eles vão ter dificuldade com o idioma. Oras, até parece que espanhol é grego! “Para Ouro Branco, pode vir médico até da China que a gente recebe de braços abertos”, diz o prefeito de Ouro Branco (BH) Atevaldo Cabral da Silva.
Dizem que é trabalho escravo. A verdade é que o artigo 149 do Código Penal aponta que trabalho escravo requer: condições degradantes de trabalho, jornada exaustiva, trabalho forçado e servidão por dívida. Por mínima que seja a estrutura que eles terão para trabalhar, a comparação chega a ser patética. Se vão ganhar pouco, a escolha é individual e ninguém os forçou a nada. Todas as declarações deles no Brasil, até agora, mostram que eles querem ajudar e o salário não é prioridade.
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Revista Veja elogia o mesmo programa em 1999, com FHC |
Dizem que após 11 anos de governo, às vésperas de uma tentativa de reeleição, saúde virou emergência. Pode ser. O caráter eleitoreiro está implícito. Mas isso não anula a emergência da dona Maria lá no Interior do País. Ela não está nem aí pra eleição, precisa sim é de um médico, pra ontem! Não interessa se é de Cuba ou da Conchinchina, se é capitalista ou socialista. Além disso, a crítica pelo viés político é rasa e frágil.
Em outubro de 1999 a tão amada revista Veja achou linda a iniciativa de importação de médicos cubanos: “O milagre veio de cuba”, “os cubanos são bem-vindos”, disseram. O que tornou o programa tão ruim que justificasse uma abordagem como a feita em julho desse ano? O que mudou nos médicos cubanos? Ah... mudou apenas o governo. Eles não criticam visando ao benefício dos médicos e da população, mas apenas pela legenda política do governo envolvido.
Ao todo, são 701 municípios em que ninguém se candidatou a ocupar as vagas disponíveis. Médicos brasileiros não se apresentaram, mas os cubanos sim. Por causa da carência sofrida pelos mais pobres, só posso agradecer a disposição deles (que os nossos não tiveram) e torcer para que dê tudo certo.