quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Sem-cretismo religioso

 Alguém já viu um corinthiano torcendo pro palmeiras? Um malufista achando que o Lula é um estadista? Um vegetariano convicto se deliciando no rodízio? Se virmos, alguma coisa estaria bem errada, não é? Pois bem, então por que a mesma regra da coerência não se aplica a uma enormidade de brasileiros quando o assunto é religião? 

É muito fácil achar por aí um católico-espírita, um evangélico-supersticioso, um frequentador de candomblé que também vai à missa, um espírita que joga flores pra Iemanjá. É o tal sincretismo religioso, a mistureba de duas, três, quatro, mil crenças em uma. Parece ser algo muito bom do ponto de vista sociológico porque promove a aproximação de culturas de povos distintos, em vez de aumentar as diferenças e o isolamento. Mas, sob o olhar das concepções religiosas, é uma aberração sem tamanho.

Um sistema de fé (decente), assim como qualquer visão de mundo, em qualquer sentido, tem seus princípios, pilares e bases bem definidos. E certamente vão existir figuras antagônicas que compõem esse cenário, de maneira harmoniosa. Por exemplo, não dá pra ser marxista e, simultaneamente, ver o sistema capitalista como uma saudável solução para o mundo. Se alguém professa uma ideia misturada dessas, então não entendeu nenhuma das propostas e está totalmente perdido.

No caso da fé, quando um sistema é capenga e cheio de brechas, falhas e contradições, é previsível que os adeptos dessa crença a misturem com outras, exatamente por causa do caráter frágil e mal postulado, buscando um conjunto mais sólido pra se apoiar. Por isso, o que me chama a atenção é a mistura de qualquer outra fé com o Cristianismo, que é uma fé tão clara e específica. 

Qual é o sentido de mães-de-santo lavarem a escadaria da Igreja Nosso Senhor do Bonfim, em Salvador? Com base em quê alguns grupos equiparam Exu a Santo Antônio, Iansã a Santa Bárbara, Ogum a São Jorge? De onde tiram alguns evangélicos a ideia de orar para que um copo d’água abençoe alguém? Essas coisas são tão coerentes quanto João Gilberto lançar um CD de heavy metal.

No Cristianismo baseado no que a bíblia diz (e não em pastores, bispos, bispas, profetas, papas etc.) o mundo espiritual tem apenas três populações: Deus (Pai e Espírito Santo), anjos e demônios. Só. Não há espaço para almas de gente morta que vaga por aí passando mensagens, incorporando, atormentando, pintando, escrevendo (Zíbia Gasparetto que o diga...) e tudo mais. 

A visão bíblica entende que a movimentação espiritual vem de “cima” ou de “baixo”, e se alguém vê e conversa com um avô que já morreu, ele vê e conversa com um demônio travestido de avô, por mais que sejam “coisas boas e que só ela sabe” que ele venha dizendo. “O próprio Satanás se transfigura em anjo de luz”, diz o apóstolo Paulo de Tarso em II Co. 11:14. O cristão baseado na bíblia também não acredita em reencarnação: “aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo, depois disso, o juízo" (Hebreus 9: 27). Logo, se um espírita que crê na conversa com mortos, na mediunidade e na reencarnação, diz que também é católico (cristão), como ele explica essa fé contraditória?

Se as mães-de-santo recebem e fazem consultas aos orixás, que são espíritos-ancestrais-divinizados-africanos-que-correspondem-à-natureza-e-que-têm-sentimentos-humanos (?!), como podem querer lavar as escadas de uma igreja cristã, cujo Deus classifica todos esses orixás como demônios? Se alguém se abala para querer chegar perto do papa Francisco (fé católica/cristã) e vai estar no dia 31 de dezembro saltando sete ondas em Copacabana, jogando flores pra Iemanjá (demônio na visão cristã), como se explica essa doidice? Simplesmente não faz sentido, nem no mundo terrestre e nem no espiritual. 

Sou a favor do ecumenismo, mas nunca do sincretismo religioso. Misturar fés díspares é ignorância no estrito sentido da palavra, mas também adicionada de preguiça (de pesquisar) e modismo (todo mundo faz, logo eu também faço). Pra tudo na vida as pessoas buscam especialização, então por que a fé é uma maçaroca disforme? Ter fé é muito importante. Mais ainda, é ter uma fé cuja explicação tenha começo, meio e fim. Sempre lembrando que, no fim das contas, o mais importante é o amor, na vida e na prática.

Um comentário:

Sheila Carpiné disse...

Concordo. Não dá prá agradar dois maridos ( no caso um seria o amante), nem a dois chefes, quanto mais a dois senhores. Crer em tudo e em qualquer coisa deve trazer confusão e a confusão não produz paz, que é o motivo central da fé.