sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Era proibido proibir

Caetano e Gil acharam liberdade fora do Brasil
Dizem que "Ou a gente passa o tempo, ou o tempo passa a gente". Para alguns ícones de nossa cultura, o tempo não passou por eles. O tempo atropelou, deu ré, passou de novo, e foi embora esmagando o que restou. No caso, não foram atropelados seus corpos que, na maioria, estão na sétima década de vida, mas sim suas consciências, que um dia cunharam clássicos como "Eu digo não ao não" e "Afasta de mim esse cálice". 

Pois é. Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Djavan, Erasmo Carlos, Roberto Carlos, Milton Nascimento já foram jovens artistas, intrépidos, ousados, revolucionários. Agora são parte de um grupo ironicamente chamado de "Procure Saber", e lutam para que biografias não autorizadas não possam ser vendidas. 

Todos esses figurões iniciaram suas carreiras numa época em que tudo o que se queira era "procurar saber", mas não se podia. Livros, filmes, artigos, peças, músicas, reportagens, tudo era censurado e o povo só tinha a informação oficial para se contentar. Graças ao sacrifício de muita gente, esses tempos ficaram pra trás. Hoje a censura existe, só que mais suave e sutil. Julgamos ter a liberdade de encontrar informações que mostram o outro lado da moeda, de qualquer coisa ou qualquer um. E isso é bom, nos permite novos olhares sobre as coisas. 
Biografias não autorizadas geralmente são as melhores

Por exemplo: seria triste lermos uma biografia de Che Guevara que mostrasse sua preocupação social, sua inteligência, carisma, boas intenções, mas não revelasse sua participação em tribunais de execução ou suas opiniões alicerçadas na base da violência. Como seria chato ler sobre Fernando Henrique Cardoso, conhecer seu perfil estadista, a habilidade política, seu casamento feliz com a Dona Ruth, e não sabermos que ele tem um filho com uma ex-jornalista da Globo e que mora com a mãe na Europa. 

Coisas assim, só sabemos porque ainda se pode escrever sobre isso, falando de histórias de alcova que os biografados não gostariam que viessem à tona. Mas, para os medalhões da MPB, isso agora tem que ser proibido. O problema é que isso é censura, obscurantismo. Além disso, não há nada mais chato e inútil do que ler a história de alguém do jeito que esse alguém quer que ela seja, com deslizes calculados, sucessos aumentados, escândalos encobertos, enfim, um panfleto chapa-branca. 


O que aconteceu com a cabeça desses artistas? O que mudou nos princípios defendidos nos anos 60? A resposta é simples e triste: dinheiro. Naquela época ainda não eram ricos. Hoje são, mas querem mais. É isso que move o interesse deles em proibir essas biografias. Paula Lavigne, ex-mulher de Caê e porta-voz da associação diz: "pessoas públicas também têm direito à intimidade e vida privada". Concordo. Mas, depois ela fala o que interessa pra eles: "se alguém quiser escrever uma biografia e publicá-la na internet sem cobrar, tudo bem. O problema é lucrar com isso". Que coisa não? A vida exposta de graça não ofende a intimidade do artista, mas se cobrar ofende? Pelo jeito, só ofende porque não pinga na conta deles também. 

Djavan chegou a dizer: "editores e biógrafos 
ganham fortunas enquanto aos biografados resta o ônus do sofrimento e indignação". Talvez Djavan não saiba, mas biógrafos geralmente são jornalistas que pesquisam por anos e anos, entrevistando dezenas de pessoas, levantando arquivos antigos, investigando entrevistas já realizadas, revistas, jornais, filmes e tudo que diga respeito ao biografado. É um esforço desgastante. Editoras são empresas que precisam se manter vivas num mercado acirrado, em um país em que quase 50% das empresas fecham após três anos. Logo, é claro que eles ganham dinheiro com isso. Alguém trabalha, alguém paga, alguém compra. Se o biografado não gosta do que dizem, processe por dano moral! A Lei pra isso já existe. 

Paula Lavigne adoraria ter nascido em outra época

“Vamos correr o risco de estimular biografias sensacionalistas”, disse Paula Lavigne. Só que esse é o melhor risco, típico de democracias. "Ninguém pede para ler antes o que é publicado em jornais", lembrou Sônia Jardim, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros. E jornais são vendidos, inclusive os sensacionalistas. 

O que dói em nossas almas é ver os heróis da MPB, sujeitos discutidos e biografados, outrora perseguidos e presos por causa de sua expressão de liberdade, agora querendo censurar a liberdade dos outros. E não pela honra, mas por dinheiro. Uma postura que mistura o totalitarismo de Stalin com o capitalismo selvagem de Murdoch: o pior dos mundos. Sempre achei burrice gente que nasce, cresce, reproduz e morre, tendo exatamente as mesmas opiniões sobre tudo. 


Mudar de ideia, muitas vezes, é sinal de maturidade e humildade. Mas, corromper princípios, no caso a liberdade de informação e expressão, não é saudável nem inteligente. Tenho esperança de que esse chilique ditatorial mercantilista, reacionário, mal disfarçado de resguardo pela moral e ética, querendo inibir a sociedade, dê com a cara na porta da Constituição, que garante a liberdade de trabalho dos biógrafos e editores. Afinal, Chico, Caetano e companhia: “apesar de vocês, amanhã há de ser outro dia, la laiá la laiá”.


Um comentário:

Anônimo disse...

Um dia todos nós envelhecemos, e é nessa hora que a "transformação pela renovação da mente" começa a fazer sentido. A mente também envelhece!