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Quase invisível na mídia nacional, Mayer lotou o Anhembi |
Do mesmo jeito que a maior banda pop da história chegou a ser preterida pelo som do momento (na época o soul da Motown bombava), inúmeros casos semelhantes acontecem todos os dias. E o principal motivo? O mercado diz para as pessoas do que elas devem gostar. Triste, é constatar que muita gente acaba mesmo gostando do que lhes enfiam goela abaixo.
Em 19 de setembro, cerca de 60 mil pessoas se apertaram para assistir John Mayer, na Arena Anhembi, em São Paulo. São 60 mil brasileiros, em sua maioria jovens, que pagaram preços consideráveis para assistir ao primeiro show no Brasil de um músico que toca exatamente o que não é moda nessas terras: "músicas com guitarras". Aqui, o sentido não é a guitarra em si, mas seu protagonismo na música. O Brasil é rico em cultura musical, estilos, formas, e já produziu coisas como Chico Science e Nação Zumbi, Novos Baianos, Sepultura, Marisa Monte, Yamandú Costa, Só Pra Contrariar, entre outras pérolas de linguagens totalmente distintas.
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Esses são os grandes expoentes da música nacional hoje |
Mas, para os efeitos do estrelato, só existem porcarias. A mídia cultural, estimulada ($) pelas gravadoras, só divulga Michel Teló, Ivete Sangalo (ainda), Naldo, Anitta e a turma do Quadradinho de Oito. Esses são alguns ícones atuais da "música/mídia brasileira", e representam o que há de "melhor" no sertanejo, axé, funk e afins. Alguns já estão milionários, bem como suas gravadoras.
Gosto é gosto, e cada um tem o seu. O problema aparece quando gostar desses tipos, muitas vezes (sempre há exceções), é apenas preguiça mental e falta de personalidade, sujeita às vontades da televisão e do rádio. Gostam porque todo mundo gosta, porque toca na balada, porque apareceu no Fantástico, porque a letra é animada: "Eu meto tudo, eu pego firme pra valer".
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Guitarra de Mayer entrega quem é seu ídolo |
Num ambiente cultural em que essas coisas fazem um baita sucesso, imagine a resposta de uma gravadora no Brasil que seria dada a um músico que toca rock/pop/blues/romântico com letras pessoais e grandes doses de guitarra para uma gravadora aqui? Provavelmente dirão "Grupos com guitarras estão saindo de moda. O negócio agora é dupla sertaneja e blá blá blá". Nada contra esses caras. Como disse antes, gosto é gosto. Mas, quando não sobra espaço para opções, aí sim sou contra.
No Brasil, negariam um contrato a John Mayer, que faz sucesso suficiente no mundo pra juntar aquelas 60 mil pessoas, que o descobriram apesar da campanha na TV para conhecermos o novo sucesso do Restart (esse durou pouco mesmo...). Mayer também foi escalado para o Rock in Rio, expondo-se ao grande público. Mas seu show não tem dançarinas seminuas, coreografias, não manda tirar o pé do chão, e o absurdo total: ele se deixa levar por sua excelente banda, ficar solto rumo a solos que misturam fúria e sensibilidade, evocando Eric Clapton, Jimi Hendrix e Stevie Ray Vaughan.
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Hendrix em 1967, e a guitarra que inspirou a de Mayer |
O público, formado por brasileiros, dentre os quais muitos que também pulam ao som de Naldo e companhia, se empolgou! Provaram que só não consomem mais esse tipo de música porque ela simplesmente não aparece, porque no Brasil só é bom se passar na Globo, se o Neymar dançar durante um jogo, se aparecer no Criança Esperança, se fizer dueto com Caetano Veloso. Fato é que as mulheres saíram querendo casar com o guitarrista, e os homens querendo tocar e cantar como ele.
John Mayer homenageou Tom Jobim em suas melodias e também citou Hendrix, de quem ele não arranha a superfície, mas absorveu a atitude. Isso não está nas fórmulas do sucesso fonográfico brasileiro. Mayer nunca seria conhecido no mundo se tivesse nascido aqui. Teria que viver de trocados, tocando no limitado circuito de bares que valorizam esse som, ou tentar a sorte lá fora. Talvez seja prematuro considerá-lo um "guitar hero", mas, se ele arrebanhou 60 mil no Anhembi, num Brasil mergulhado em porcarias musicais, e sem aparecer antes no Fantástico, certamente já assegurou seu lugar de honra entre o público que gosta de talento, mais do que de marketing.
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