sábado, 31 de agosto de 2013

Mais Médicos (Dispostos)

O famigerado, polêmico e controverso Programa Mais Médicos, afinal, é bom, ruim ou um pouco dos dois? O problema tem mil perspectivas e olhares. Abaixo, segue o meu, definitivo até que me provem o contrário:
  
Cenário dos sonhos de muitos: tudo limpo, novo e branco
Dizem que os cubanos não têm competência para atuar no alto nível da medicina brasileira. Errado. Isso é tentativa de confundir as coisas, misturar o conceito geral da medicina brasileira (de alta qualidade científica) com o que, de fato, os médicos estrangeiros vêm fazer aqui. Eles não vão para o Einstein, o Sírio Libanês ou o A.C. Camargo. Eles vão para onde não existe medicina nenhuma. 

A alta qualidade só está disponível para gente rica, portanto não há uma “imagem a zelar” para o povo. E outra, a medicina cubana é respeitada em outros países. Na Espanha, por exemplo, um médico cubano precisa de três meses para se homologar. Tempo menor do que os médicos do México, Chile e Argentina.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o modelo cubano como um dos melhores para o resto do mundo. Médicos cubanos são muito presentes em inúmeras missões internacionais, como a que está sendo feita no Brasil, incluindo países como o Haiti, África do Sul, Venezuela e outros em que a miséria é grande. Em Cuba, nas 25 faculdades de medicina, estudam estrangeiros de 113 países, inclusive filhos do Paulo Mendes, que é presidente do Sindicato Médico do RS. Lá, o curso de medicina dura seis anos e a especialização vai de três a quatro. Em Cuba há seis médicos para cada mil habitantes, o triplo do recomendado pela OMS, por isso mesmo o país disponibiliza tantos para missões internacionais.

Apoio dos médicos brasileiros aos cubanos
A taxa de mortalidade em Cuba é 4,6 em cada mil crianças, e no Brasil é de 15,6. A questão é que a medicina deles é mais focada na Atenção Básica, e não um modelo hospitalocêntrico como o brasileiro, em que o legal é usar um tomógrafo computadorizado ou órteses e próteses gringas a R$ 40 mil, para todo mundo ganhar em cima. 

Os médicos cubanos, em geral, têm mais de dez anos de profissão, estiveram em missões de outros países, fizeram residência, 20% com mestrado e 40% com mais de uma especialização. Será que serve para a dona Maria lá no Interior do Brasil e que está, enquanto você lê isso, com o filho ardendo em febre, sem ter com quem se consultar?

Dizem que por trás do Programa há ideologia socialista, financiando Cuba. Ignoram o fato de que a ilha está cada dia mais capitalizada, que não há nem sombra de projeto de reconstrução pelo socialismo, que Raúl Castro está abrindo o mercado gradativamente e que a pobreza persiste muito mais pelo cruel, bizarro e anacrônico embargo dos Estados Unidos do que por caprichos caudilhistas.

Médicos cubanos são aceitos mundo afora
Dizem: “R$ 10.000,00 qualquer médico ganha na capital, não é oferecendo esse valor que irão atraí-los para o interior. A solução pra isso é simples: planos de carreira”. Concordo. Devem mesmo exigir isso. Mas, enquanto não acontece, muitas cidades aumentaram os salários, chegando a absurdos R$ 33.500,00 oferecidos por uma prefeitura no Amapá. Mesmo assim, não surgem médicos interessados e a população fica a ver navios. Caramba, quanto eles querem ganhar?

Ao que parece, a maioria dos médicos quer, além do espetacular salário, uma superestrutura urbanizada para morar. Nas faculdades, a maioria (sempre há exceções) quer ser médico pensando em ficar rico, viajar pra Europa todo ano, usar o “Dr” (sem doutorado) antes do nome. Mas, por “azar” da natureza da profissão, pessoas que moram no meio do mato também ficam doentes e precisam de... Contadores? Mecânicos? Astronautas? Não... Precisam de médicos! Pena que lá só chegam os que são solidários, sensíveis à necessidade humana, com vocação e preocupação com o próximo.

Não vai ter avenida para passear de jaleco e estetoscópio pendurado no pescoço. Só mato, gente pobre, desdentada, doente e fedida. Não é bonito. Mas se o cara não gosta, então seja médico na Noruega, ou vire engenheiro nuclear em algum laboratório. Não acho que todos devam ter esse perfil. Mas, como disse, não adianta esse perfil em um matemático, tem que ser médico. Falta de estrutura é um problema, claro, e devemos seguir cobrando o Governo. Mas não acho que se deva esperar as condições ideais para ir a esses lugares. São situações de emergência. Nessas horas, a vocação de alguns profissionais salta aos olhos. São os que mais se lembram do juramento de Hipócrates: “Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder”. Mesmo sem mil exames e tomógrafos à disposição, é possível melhorar a condição de saúde das pessoas.

Há muitos locais com estrutura, mas o problema é esse aí
Argumentam que eles vão ter dificuldade com o idioma. Oras, até parece que espanhol é grego! “Para Ouro Branco, pode vir médico até da China que a gente recebe de braços abertos”, diz o prefeito de Ouro Branco (BH) Atevaldo Cabral da Silva.

Dizem que é trabalho escravo. A verdade é que o artigo 149 do Código Penal aponta que trabalho escravo requer: condições degradantes de trabalho, jornada exaustiva, trabalho forçado e servidão por dívida. Por mínima que seja a estrutura que eles terão para trabalhar, a comparação chega a ser patética. Se vão ganhar pouco, a escolha é individual e ninguém os forçou a nada. Todas as declarações deles no Brasil, até agora, mostram que eles querem ajudar e o salário não é prioridade.

Revista Veja elogia o mesmo programa em 1999, com FHC
Dizem que após 11 anos de governo, às vésperas de uma tentativa de reeleição, saúde virou emergência. Pode ser. O caráter eleitoreiro está implícito. Mas isso não anula a emergência da dona Maria lá no Interior do País. Ela não está nem aí pra eleição, precisa sim é de um médico, pra ontem! Não interessa se é de Cuba ou da Conchinchina, se é capitalista ou socialista. Além disso, a crítica pelo viés político é rasa e frágil. 

Em outubro de 1999 a tão amada revista Veja achou linda a iniciativa de importação de médicos cubanos: “O milagre veio de cuba”, “os cubanos são bem-vindos”, disseram. O que tornou o programa tão ruim que justificasse uma abordagem como a feita em julho desse ano? O que mudou nos médicos cubanos? Ah... mudou apenas o governo. Eles não criticam visando ao benefício dos médicos e da população, mas apenas pela legenda política do governo envolvido.

Ao todo, são 701 municípios em que ninguém se candidatou a ocupar as vagas disponíveis. Médicos brasileiros não se apresentaram, mas os cubanos sim. Por causa da carência sofrida pelos mais pobres, só posso agradecer a disposição deles (que os nossos não tiveram) e torcer para que dê tudo certo.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Sem-cretismo religioso

 Alguém já viu um corinthiano torcendo pro palmeiras? Um malufista achando que o Lula é um estadista? Um vegetariano convicto se deliciando no rodízio? Se virmos, alguma coisa estaria bem errada, não é? Pois bem, então por que a mesma regra da coerência não se aplica a uma enormidade de brasileiros quando o assunto é religião? 

É muito fácil achar por aí um católico-espírita, um evangélico-supersticioso, um frequentador de candomblé que também vai à missa, um espírita que joga flores pra Iemanjá. É o tal sincretismo religioso, a mistureba de duas, três, quatro, mil crenças em uma. Parece ser algo muito bom do ponto de vista sociológico porque promove a aproximação de culturas de povos distintos, em vez de aumentar as diferenças e o isolamento. Mas, sob o olhar das concepções religiosas, é uma aberração sem tamanho.

Um sistema de fé (decente), assim como qualquer visão de mundo, em qualquer sentido, tem seus princípios, pilares e bases bem definidos. E certamente vão existir figuras antagônicas que compõem esse cenário, de maneira harmoniosa. Por exemplo, não dá pra ser marxista e, simultaneamente, ver o sistema capitalista como uma saudável solução para o mundo. Se alguém professa uma ideia misturada dessas, então não entendeu nenhuma das propostas e está totalmente perdido.

No caso da fé, quando um sistema é capenga e cheio de brechas, falhas e contradições, é previsível que os adeptos dessa crença a misturem com outras, exatamente por causa do caráter frágil e mal postulado, buscando um conjunto mais sólido pra se apoiar. Por isso, o que me chama a atenção é a mistura de qualquer outra fé com o Cristianismo, que é uma fé tão clara e específica. 

Qual é o sentido de mães-de-santo lavarem a escadaria da Igreja Nosso Senhor do Bonfim, em Salvador? Com base em quê alguns grupos equiparam Exu a Santo Antônio, Iansã a Santa Bárbara, Ogum a São Jorge? De onde tiram alguns evangélicos a ideia de orar para que um copo d’água abençoe alguém? Essas coisas são tão coerentes quanto João Gilberto lançar um CD de heavy metal.

No Cristianismo baseado no que a bíblia diz (e não em pastores, bispos, bispas, profetas, papas etc.) o mundo espiritual tem apenas três populações: Deus (Pai e Espírito Santo), anjos e demônios. Só. Não há espaço para almas de gente morta que vaga por aí passando mensagens, incorporando, atormentando, pintando, escrevendo (Zíbia Gasparetto que o diga...) e tudo mais. 

A visão bíblica entende que a movimentação espiritual vem de “cima” ou de “baixo”, e se alguém vê e conversa com um avô que já morreu, ele vê e conversa com um demônio travestido de avô, por mais que sejam “coisas boas e que só ela sabe” que ele venha dizendo. “O próprio Satanás se transfigura em anjo de luz”, diz o apóstolo Paulo de Tarso em II Co. 11:14. O cristão baseado na bíblia também não acredita em reencarnação: “aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo, depois disso, o juízo" (Hebreus 9: 27). Logo, se um espírita que crê na conversa com mortos, na mediunidade e na reencarnação, diz que também é católico (cristão), como ele explica essa fé contraditória?

Se as mães-de-santo recebem e fazem consultas aos orixás, que são espíritos-ancestrais-divinizados-africanos-que-correspondem-à-natureza-e-que-têm-sentimentos-humanos (?!), como podem querer lavar as escadas de uma igreja cristã, cujo Deus classifica todos esses orixás como demônios? Se alguém se abala para querer chegar perto do papa Francisco (fé católica/cristã) e vai estar no dia 31 de dezembro saltando sete ondas em Copacabana, jogando flores pra Iemanjá (demônio na visão cristã), como se explica essa doidice? Simplesmente não faz sentido, nem no mundo terrestre e nem no espiritual. 

Sou a favor do ecumenismo, mas nunca do sincretismo religioso. Misturar fés díspares é ignorância no estrito sentido da palavra, mas também adicionada de preguiça (de pesquisar) e modismo (todo mundo faz, logo eu também faço). Pra tudo na vida as pessoas buscam especialização, então por que a fé é uma maçaroca disforme? Ter fé é muito importante. Mais ainda, é ter uma fé cuja explicação tenha começo, meio e fim. Sempre lembrando que, no fim das contas, o mais importante é o amor, na vida e na prática.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Defensores do Carandiru

Lavagem interna com deter-gente orgânico
Em 1992, a polícia matou 111 presos (e olha que interessante: eles já estavam presos!) no Carandiru, com tiros na maioria apontados para o peito e cabeça (execução). Como se sabe, presidiários não portam armas de fogo nas celas, nem em rebeliões. Alguns poucos responsáveis estão sendo julgados agora, agosto de 2013, e é vergonhoso o que eles dizem: "tinha certeza que todos morreríamos ali. Eu estava com muito medo". 

O camarada treina por anos, estuda, usa uniforme de proteção, escudo, capacete, arma de fogo, e quando entra num presídio para acabar com uma rebelião - na ala de ladrões novatos - fica com medo? "Meu escudo foi atingido por um projétil". Ah, levou um tiro no escudo? Então tá certo, pode matar todo mundo, né? "Gritávamos para eles largarem as armas e entrarem nas celas, mas eles efetuaram disparos contra a tropa".

Uns 15 detentos "feridos"...
Se o preso não obedeceu, o procedimento é matar. "No confronto conosco, imagino que foram feridos uns 15 detentos". Jura? Nas fotos parece um pouco mais... O pior é que os comentários dos leitores são ainda piores: "adote um estuprador, latrocida ou um traficante", "foi um exagero por parte da PM? Pode até ser”, "e os pais de família que foram assassinados ultimamente?".


Esse tipo de mentalidade é como diz o Caetano: "Você é burro cara, que loucura! Como você é burro! Que coisa absurda". A pessoa justifica a violência do Estado pela violência praticada pelo delinquente. Ou seja, torna o Estado delinquente também. Nesse argumento, devemos então concordar com um desvio ou outro de dinheiro pelo Estado, afinal, vira e mexe o pessoal também não devolve um troco aqui ou ali.


Claro que ninguém quer adotar ladrão. Ninguém acha bonito ser vítima de assalto, latrocínio etc. Todos ficamos revoltados com crimes e a polícia é nosso socorro sempre. Mas, não é por isso que ela deve provocar execução em massa, gerando poças com mais de 10 cm de altura só de sangue em celas e corredores. O que se busca não é a reedição do Código de Hamurabi ou "direitos humanos dos bandidos". O que se quer são direitos humanos, e só. Pra todos. Sejam policiais, pessoas comuns ou presos.
Partido Nazista ficaria orgulhoso da polícia brasileira
Diga-se de passagem, vez ou outra a molecadinha de classe média vai parar em presídio por um ou dois dias, que sejam, porque fez alguma besteira. Imagine se uma ação "justa" como a do Carandiru tivesse "ferido" um desses moleques? Será que seria considerado certo também? Será que se o tal do pedreiro Amarildo, no Rio de Janeiro, fosse um universitário do Leblon, alguém se importaria?

Quem aplaude o massacre do Carandiru deveria assumir de vez que simplesmente despreza pobres e/ou pretos, e ficaria feliz se todos fossem mortos, porque não significam nada e nem gente são. Uma postura de fazer inveja a
Heinrich Himmler. Se a Justiça não condenar esses policiais os bons policiais terão sua imagem ainda mais manchada, e o extermínio de presos que chamou atenção no mundo todo vai sair de graça.