"Crime, futebol, música... Também não consegui fugir disso aí. Eu sou mais um". Mano Brown, o maior poeta do rap nacional, apesar de contrariar as estatísticas e representar uma rara voz da periferia (apesar de atualmente evitar esse peso) também reconheceu sua fraqueza humana. Pois, com as devidas proporções guardadas e ciente de que nunca fui santo, lamento informar: a corrupção me pegou. Também sou mais um. Passei anos de minha vida vociferando contra aqueles que compram CDs piratas, furam filas, enganam o Fisco, não devolvem troco errado (pra mais), são dispensados do Exército porque o tio é coronel e, principalmente, falsificam carteirinha de estudante! Este último é o crime que compartilho e confesso, torcendo para que nenhum produtor de show ou dono de rede de cinema leia esse texto.
A maioria vai pensar "ah, só isso? Todo mundo tem". Pois é. O problema é que sou da opinião de que nenhum Carlos Cachoeira nasce empresário de contravenção. Tudo começa num pequeno e banal gesto e aos poucos as proporções crescem, mas o botão mental do delito já está apertado. Quando reclamamos dos políticos corruptos, vagabundos e caras de pau, não estamos xingando alienígenas mutantes, estamos xingando gente da gente. Brasileiros como nós, que dão um jeitinho quando têm chance, num é mesmo? E em Brasília, as chances são muitas. Mas, e sempre tem um "mas", depois de tanto ouvir um argumento, ele começou a convencer meus neurônios anticapitalistas, e eles fizeram mais sinapses na minha cabeça do que os neurônios morais.
Os últimos shows que me interessaram e deixei de ver por causa do preço, em São Paulo, custavam todos cerca de R$ 200, no mínimo, pelo menos para não ficar sentado atrás da pilastra ou de costas para o palco (o descaramento é tanto que divulgam ingressos com “visão parcial”... Desrespeito total com o público). E peças de teatro então? Basta ter um ator global no casting que os preços chegam a R$ 80 facilmente. E depois aparecem por aí, inclusive esses mesmos atores, dizendo que é preciso estimular a ida ao teatro. Como? Cobrando um valor fora da realidade? Surgem até aqueles dizendo que o povo não gosta de cultura. Gosta sim! Basta ver o sucesso da Virada Cultural para ver se o povo não gosta. Não que tudo tenha que ser gratuito, gostamos de pagar artistas que merecem, mas queremos pagar o que é justo!
Podem me dar todas as justificativas matemáticas das margens de lucro de um, de outro etc. E sabemos como grandes produções podem ter custos mais altos. Sabemos também, que um bom CD, bem feito, bem gravado, bem promovido e distribuído pode ser vendido tranquilamente a R$ 15. Mas há CDs simples, com dez músicas, que custam até R$ 60! Pra piorar, os impostos que influenciam toda essa indústria cultural também nos esfola todo dia em produtos e serviços que pagamos. O Brasil tem a 14º maior carga tributária do mundo, e entre os 30 países que mais cobram, temos o pior desempenho em retorno de serviços públicos à população, isso segundo estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Diante dessa insanidade legal e criminosa de empresários que exploram e sugam o dinheiro suado do trabalhador honesto (afinal, trabalhador honesto raramente fica rico), fui convencido a ter minha carteirinha de estudante, não sendo mais estudante, lesando em percentagens milésimas todo esse sistema. É minha contradição: sou corrupto, mas sou contra.
2 comentários:
RSRS ...Verdade.Pois nunca vi um bebê de 6 meses passando um cheque sem fundos ,rsrsrsrs!!Mas certamente ele aprende !!!
Concordo contigo Ric... também já sucumbi a essa "pequena corrupção" e confesso que não o faço de bom grado. Atualmente não preciso mas e quando a validade de minha carteirinha acabar?!?!?
Outra coisa a se falar em preço de Cultura são as famosas Taxas de Conveniência que os sites de ingressos combram de maneira inimaginável... R$ 100,00 e até R$ 200,00!!! Absurdo!!
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