quarta-feira, 23 de março de 2011

Justiça pela via jornalística


Um distúrbio de opinião. É assim que pode ser classificado um texto publicado pelo jornalista Maurício Stycer, crítico do UOL, abordando o que ele chamou de “Jornalismo Justiceiro”. Na maior parte das vezes, Stycer segue as pegadas do profeta Isaías: “Voz do que clama do deserto” no que se refere à TV brasileira. Ele representa um olhar diferenciado sobre a produção cultural eletrônica e destoa um pouco da “babaovice” de celebridades e besteiróis apelativos que essa mídia, em nosso país, produz. Mas, apesar de sua costumeira lucidez, acabou manifestando um sentimento rabugento, retrógrado e talvez, com uma ponta de inveja ao falar da reestréia do CQC, da Band, dia 14/3.

A profundidade de suas críticas foi tão nula que ficou explícita a intenção de falar mal por falar mal. O cidadão escreveu: “acho espantoso ver repórteres como Danilo Gentili, do CQC, da Band, considerarem que os entrevistados têm obrigação de falar com a mídia no exato momento em que eles desejam”. Argumento insignificante. Como se os vereadores, deputados, senadores ou quem quer que seja, não falassem com eles porque, de fato, estão atrasados ou cheios de compromissos importantes. Coitadinhos, não é mesmo? Tanta coisa pra resolver e ter que gastar 60 segundos com uma entrevista para a TV... Ora bolas, eles não falam porque ficam constrangidos, não sabem e não gostam de explicar desvios e corrupções na cara lavada, preferem um ambiente isolado da mídia e por meio de advogados.

Stycer estava inspirado e seguiu reclamando, dessa vez do repórter Elcio Coronato, do Legendários, da Record: “No primeiro programa de 2011, ele quis mostrar, em um shopping de São Paulo, que motoristas desrespeitam a reserva de vagas para idosos. Para isso, impediu, com seu próprio carro, que veículos burlando a lei deixassem o local. Dessa forma, obrigou os motoristas a ouvirem seu sermão sobre aquilo que haviam feito”. Impressão minha ou isso é exatamente o que todo mundo tem vontade de fazer numa situação dessas? O repórter estava lavando a alma dos injustiçados ao deixar bem claro ao autor do erro, e diante de todos, que é sacanagem parar na vaga se você não é idoso. O fato de um programa de TV estar fazendo isso, não sendo sua função primária, só mostra que absolutamente nenhuma autoridade o faz. Quem sabe, mostrando em rede nacional, o folgado da vaga aprenda alguma coisa. Mas não na opinião do Stycer, que acha isso erradinho.

Vida longa ao "jornalismo justiceiro"

Não satisfeito, nosso paladino da democracia, moral e dos bons costumes reclamou de outro quadro do Legendários, em relação aos cones em lugares proibidos nas calçadas, e justificou assim: “O ‘jornalismo justiceiro’ é primo de outras formas de ‘fazer justiça com as próprias mãos’. Mais que autoritário, revela o desconhecimento das regras sociais numa sociedade democrática. O desrespeito à lei não pode justificar outros desrespeitos. Jornalista não é polícia ou juiz”. Para ele, se é pra mostrar a ignorância alheia, reclamar do cone fora do lugar, ou do folgado na vaga de idosos, o certo é ir à Ouvidoria, marcar uma audiência com quem quer que seja, aguardar 30 dias, ligar para o SAC, mandar um e-mailzinho etc.

Uma coisa bem pacífica, democrática e, no mais das vezes, totalmente inútil. Para ele, os corruptos de Brasília podem e devem ficar ausentes e ignorar o contato com a mídia, devem mesmo fugir de perguntas que expõem seus desvios de caráter, exercendo a “democracia” para eles mesmos. Stycer acha que esses programas devem fingir que estamos na Noruega, no Canadá, onde tudo funciona conforme deve funcionar, e precisamos respeitar as autoridades que não nos respeitam, agir como se estivéssemos na ilha de Utopia. Fazer justiça com as próprias mãos não é uma atitude condenável em 100% das vezes, mas sim é algo que deve ser analisado em seu contexto. Se o povo não tivesse feito essa justiça, não teria havido Revolução Francesa, por exemplo. O papel de programas como CQC e Legendários é alertar a população que ela tem direitos e deve, sim, espernear para que sejam cumpridos, em todos os âmbitos. Já que as corregedorias que existem por aí não corrigem absolutamente nada. Vida longa ao “Jornalismo Justiceiro” e um pouco de colírio nos olhos do Stycer.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Vinícius aos 97 anos


Quem é fã de gente que já morreu, vive se perguntando como estaria, hoje, tal artista se estivesse ainda vivo. Como teria sido (realmente) o próximo disco de Jimi Hendrix? Renato Russo ainda estaria na Legião Urbana? E os Mamonas? Teriam continuado a fazer sucesso? Pois é... Só suposições. Em alguns casos, no entanto, a gente consegue descobrir: Vinícius de Moraes é um deles. O cara era boêmio, mulherengo, chegado num whisky (que ele chamava de melhor amigo do homem: "o cão engarrafado") e viveu um longo período de sua produção artística durante a ditadura (aliás, este era um grande pretexto para a "genialidade" de muitos músicos e letristas, pois, assim que os militares voltaram para os quartéis, nada de qualidade foi lançado por muitos ícones desse período).

Mas, voltando ao Poetinha, em uma de suas últimas entrevistas, suas expectativas ficaram claras, e são bem compreensíveis devido ao momento político vivido em 1979: "Acho que uma volta a uma democracia relativa já seria muito bom sabe! E sobretudo o povo ter liberdade - isso me parece fundamental". Ok, nesse quesito, Vinícius estaria satisfeito hoje em dia, aos seus 97 anos. A democracia brasileira vem se fortalecendo e o povo tem liberdade. Ele continua: "Quer dizer, ver as pessoas felizes, contentes, com as caras alegres, sem angústia". Bom... aí a coisa muda, afinal essa liberdade e democracia dão mais trabalho ao povo do que a ditadura, quando tudo já está decidido mesmo. As caras não estão tão alegres assim.

O ex-diplomata segue: "E, sobretudo, haver a realização, ou pelo menos um arremedo de realização, de uma organização social mais justa, com uma melhor distribuição da riqueza, uma reforma agrária legal. Isso eu gostaria de ver: os problemas sociais mais graves resolvidos ou, no mínimo, colocados num bom caminho. Isso já me daria um pouco de paz, de calma, de uma tranquilidade bastante maior do que aquela que eu tenho hoje". Na maioria desses temas, Vinícius estaria mais feliz. A renda aumentou, há um "arremedo de realização" no ar, reforma agrária ainda fica a desejar, mas alguns dos problemas mais graves estão em um bom caminho, temos mais esperança, de fato. Os sonhos de Vinícius ainda estavam distantes em 1979, mas a caravana seguiu seu rumo.

Quanto ao Hendrix, que sonhava com o dia em que a música se tornaria mais importante do que a política, parece que alguns séculos ainda serão demandados. Renato Russo, infelizmente, segue atual e seu brado: "Que país é esse?" merece ser entoado em muitas situações do cenário brasileiro de 2011. Os Mamonas? Nesse caso eles não almejavam nada específico para o mundo, mas, se quisessem apenas sucesso, iam gostar de saber que, até hoje, 15 anos depois de sumirem dos radares, nenhuma festa de karaoke termina enquanto não se canta Robocop Gay.