quarta-feira, 8 de junho de 2011

O direito de Osama

O que será que acontece se eu for à Espanha, cometer um crime bem escabroso e sumir pelo mundo? Bom, provavelmente o exército espanhol vai me rastrear onde for, me achar e acabar com a minha vida. Simples assim. O que acontece se um marroquino vier ao Brasil, deixar bombas e causar centenas de mortes em São Paulo e desaparecer? Na mesma hora, nosso exército vai caçar o cara até achá-lo na Argélia e metralhá-lo, com o aval da Dilma. Interessante não é? Histórias assim poderiam ser adaptadas para o cinema, talvez como uma aventura do século XIX no velho-oeste norte-americano, em terras sem lei (e já sem índios). Será mesmo desse jeito que se resolvem crimes internacionais?

Quando um país age assim, fica claro um comportamento ignorante, retrógrado e abusivo. Afinal, existe a Interpol (polícia internacional) e diversos outros mecanismos que possibilitam a busca e prisão de criminosos multinacionais, a partir da cooperação de polícias, exércitos, embaixadas, e os países atuando em conjunto. Mas, para os Estados Unidos é diferente. Tudo bem, ninguém contesta a legitimidade da perseguição por Osama Bin-Laden durante dez anos em todos os cantos da Terra. O cara arquitetou ataques que, se levados a cabo integralmente, seriam mortos muito mais de 3 mil americanos. O barbudo malévolo mais sereno já visto (quem achar uma imagem de Osama com cara de mau, me mostre) deu um perdido fenomenal e conseguiu sobreviver por aí, incólume e impune por todo esse tempo. O que, no entanto, merece ser repudiado com toda a força (e a mídia não deu nenhum sinal nesse sentido, muito pelo contrário) é o fato de que Osama não teve a chance de se defender.

Bin-Laden: sorriso meigo
Calma! Antes que venham dizer que as pessoas que trabalhavam do WTC também não tiveram chances, respondo que tudo é uma questão de perspectiva. Para ficar num único exemplo: Em 29 de maio de 2011, um ataque de tropas americanas matou 14 civis inocentes na província de Helmand, no Afeganistão, incluindo duas mulheres e 12 crianças. Eles também não tiveram chances. Mas o que acontece em relação a um assassinato assim? Nada. O pobre presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, desabafou: “Já foi dito em repetidas ocasiões aos Estados Unidos e à Otan que suas operações unilaterais e inúteis causam a morte de afegãos inocentes e que tais operações violam os valores humanos e morais, mas parece que não escutam”. Não escutam mesmo. O mundo não considera pessoas que não são de países ocidentalmente civilizados como, propriamente, pessoas. São seres vivos menores, podem morrer aos borbotões. Não fazem diferença. Agora, se morrem europeus caucasianos, americanos, aí é um crime bárbaro. Queria ver se fosse aqui. Iríamos aceitar bombardeios gringos matando a gente numa boa?

Stay Puft

O século XX reservou uma lição para a humanidade quando foi palco da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto, pois possibilitou uma resposta como o Tribunal de Nüremberg, mostrando como se faz quando a questão é punir de forma legal (Ok. Há controvérsias, pois foram atribuídos crimes que não eram tidos como tal à época. Mas, mesmo assim, justiça foi feita e provas não faltaram) gente que provocou crimes contra a humanidade, assassinatos em massa, escravização, pilhagens, entre outros. Essa história é roteiro de dezenas de filmes e documentários e, teoricamente, todos já tínhamos aprendido.

Nüremberg encerra festa nazista
Para os Estados Unidos, crimes são resolvidos como no tempo de Hamurabi: olho por olho, dente por dente. O povo da Arábia Saudita, Quênia, Tanzânia, Iêmen, Tunísia, Marrocos, Indonésia, Reino Unido, Egito, Jordânia e Argélia perderam a chance e o direito de colocar Bin-Laden no banco dos réus e participar de seu julgamento, em Haia, pois ele comandou crimes em todos esses lugares. Centenas morreram em cada um desses países. Os americanos não são pessoas especiais. Os EUA estão se parecendo, cada vez mais, com o Stay Puft, o monstro de marshmallow que aparece no filme Caça-Fantasmas. Tem a aparência meiga, mas é grande, bobo, desajeitado e quer matar todo mundo.

Apesar do exemplo americano de imperalismo, ignorância e desdém pelos outros povos, podemos olhar para a Sérvia e ver como o ex-general Ratko Mladic, ex-chefe militar dos sérvios da Bósnia e homem mais procurado da Europa, foi preso depois de 15 anos foragido, e será extraditado e julgado por crimes de guerra e genocídio (mais de 8 mil mortos, talvez mais do que todos os crimes de Bin-Laden) no Tribunal Penal Internacional de Haia. É disso que estamos falando! Temos que exaltar os sérvios, que passaram por atrocidades ao longo das décadas, mal experimentaram a democracia, e dão um banho de civilização.